O luto é para ser vivido: um relato pessoal


A morte é o mais certo que temos na vida. Nascemos e morremos. É assim desde sempre. Mas por que motivo não o aceitamos?

De facto, não estamos nem somos preparados para a partida de quem mais amamos. Ninguém nos ensina a gerir essa dor. Não existe a disciplina Gestão da Perda na escola, porque isso não se explica a ninguém. Não há fórmulas mágicas, como não há no amor.

O luto é um trilho cheio de curvas que se assemelha a um labirinto que parece não ter saída. Implica ressignificar a existência e procurar um porto seguro no nosso próprio âmago. Para isso, não há um livro de instruções. É um processo único e individual.

Lembro-me da dor física inicial. Há uma dor física no luto. Não te consegues sequer erguer, estar de pé. Sente-se até que não se é suficientemente merecedor de estar de pé. Como é que tu podes estar de pé se quem tu amas morreu? Como é que te atreves a comer se quem tu amas já não respira? O luto traz-nos estes pensamentos.

A perda de alguém deixa-nos à deriva durante semanas, meses e anos. Sentimo-nos vazios, como se estivéssemos num enorme barco, em mar alto, sem vontade de fintar as ondas e com um céu que, de tão carregado, chega a pesar sobre o corpo. O luto deixa-nos na solidão, sozinhos connosco próprios.

A dor da perda cola-se à pele. Acorda contigo, passa o dia contigo e adormece contigo. E volta a acordar contigo. Em certos momentos achamos que estamos a enlouquecer, que não vai ser possível sarar aquela dor e que vai ser assim para sempre.

No luto, sonhamos com a recuperação de quem morreu: queremos tanto que aquela morte seja uma mentira que acreditamos no impossível.

Quando comecei o meu processo psicoterapêutico, julgava que haveria uma receita para a dor da perda. Achava que um psicólogo me ajudaria a atenuar a ansiedade, depressão e tristeza. Que haveria alguma frase ou palavra libertadora. Nada disso existe.

O luto é um processo que leva tempo e que requer compaixão, paciência e amor-próprio. A dor da perda tem de ser vivida, é para ser chorada e é para ser sentida. O luto é um processo modificador que conta com muitas flutuações. Oscila-se entre boas e más fases. Mas cada vez que se sai de uma fase mais difícil entra-se numa etapa melhor que a boa etapa anterior.

O luto é a maior provação da vida. O meu começou há um ano e nove meses e posso garantir que hoje a dor já não é a mesma.

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